domingo, 31 de maio de 2009

Bibliografias de Prática de Ensino II e III




DISCIPLINA: Prática de Ensino de Português e Literatura II
(Estágio Supervisionado II)
PROFESSOR: Nonato Gurgel


CIRO, Numa. “Sobre Educação” in Nas quebradas da voz. Tese (Doutorado). UFRJ – Faculdade de Letras, Rio de Janeiro, 2009.


GOMES, Poliana. “Professor de Literatura: profissão (em) perigo” in Dubito Ergo Sum. Cadernos de Ficção Cética. Ed de Gustavo Bernardo. http://www.dubitoergosum.xpg.com.br (disponível em 07/02/09).


KLEIMAN, Ângela. “O Ensino da Leitura: A Relação Entre Modelo e Aprendizagem” in Oficina de Leitura. Teoria & Prática. 10ª ed. Campinas: Pontes, 2004.


____ “Ensinando a Leitura” e “Leitura e legibilidade: reflexões sobre o texto didático” in Leitura: ensino e pesquisa. 2ª ed. Campinas: Pontes, 2001.


MACHADO, Irene A. Literatura e Redação. Conteúdo e Metodologia da Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione, 1994.


MACHADO, Luana M. S. et alii. “O uso da dramatização no ensino de Literatura Brasileira no curso médio: estudo de caso” in Inicia. Revista da Graduação em Letras da UFRJ. Santos, Deize Vieira dos. (Org.). Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.


MARTILIANO, Marco Antonio. “Literatura e leitura: o corpus de trabalho ou o que ensinar em literatura?” in Itinerários. Revista de Literatura. n. 17/18. Araraquara: UNESP, 2001.


ROCHA, Luiz Carlos Moreira. “O Cânone Ocidental (vide Bloom) x Multiculturalismo” in Revista Tempo Brasileiro. n 129. Aporias do Cânone. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, abr-jun, 1997.


TODOROV, Tzvetan. “Além da escola” in A Literatura em Perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009.




DISCIPLINA: Prática de Ensino de Português e Literatura III
(Estágio Supervisionado III)
PROFESSOR: Nonato Gurgel

BLOOM, Harold. “Uma Elegia para o Cânone” in O Cânone Ocidental. Os Livros e a Escola do tempo. 2ª ed. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

CHAUI, Marilena. Brasil. Mito fundador e Sociedade Autoritária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006.

CIRO, Numa. “Sobre Educação” in Nas quebradas da voz. Tese (Doutorado). UFRJ – Faculdade de Letras, Rio de Janeiro, 2009.

GOMES, Poliana. “Professor de Literatura: profissão (em) perigo” in Dubito Ergo Sum. Cadernos de Ficção Cética. Ed de Gustavo Bernardo. http://www.dubitoergosum.xpg.com.br (disponível em 07/02/09).

MOREIRA, Maria Eunice. “História da Literatura e Identidade Nacional Brasileira” in Revista de Letras. Memória e Literatura. v 43. São Paulo: UNESP, 2003.

MUYLAERT, Joana Luíza. “A formação, os deslocamentos: modos de escrever a história literária brasileira” in Revista Brasileira de Literatura Comparada. n 9. Rio de Janeiro, 2006.

PORTELLA, Eduardo. “Como se fosse um diário: anotações sobre o cânone” in Revista Tempo Brasileiro. n 129. Aporias do Cânone. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, abr-jun, 1997.

RESENDE, Beatriz. “A Indisciplina dos Estudos Culturais” in Apontamentos de Crítica Cultural. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.

ROCHA, Luiz Carlos Moreira. “O Cânone Ocidental (vide Bloom) x Multiculturalismo” in Revista Tempo Brasileiro. n 129. Aporias do Cânone. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, abr-jun, 1997.

TODOROV, Tzvetan. A Literatura em Perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009.


O Pensador das Diásporas


Publicado originalmente no Portal Literal em 05/12/2003
por Heloisa Buarque de Hollanda.

Stuart Hall é hoje, no Brasil, um reconhecidíssimo nome da cultura acadêmica. Um dos fundadores da polêmica "pós-disciplina", os Estudos Culturais, Hall dirigiu o histórico Centro de Birmingham em seu período mais quente e produtivo. Jamaicano radicado desde 1951 na Inglaterra, onde é conhecido como um intelectual engajado nos debates sobre as dimensões político-culturais da globalização, a política nacional e a articulação teórica dos movimentos anti-racistas, ele tem dois livros publicados no Brasil: Identidades culturais na pós-modernidade e Da diáspora: identidades e mediações culturais.
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Nesta entrevista feita por telefone, Hall fala sobre o impacto da condição de imigrante jamaicano em sua produção intelectual, como nasceram os Estudos Culturais, porque não se preocupa em publicar livros, as perspectivas do engajamento do intelectual hoje e como ainda é possível se trabalhar criticamente a globalização.
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HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA e LIV SOVIK: Você deixou a Jamaica ainda como estudante e hoje é um dos intelectuais mais importantes da Inglaterra. Esse deslocamento da colônia para a metrópole deve ter marcado seu pensamento e atuação profissional. Isso confere?
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STUART HALL: Na realidade, essa história é crítica para mim. Tudo o que aconteceu a partir de minha decisão de não voltar para a Jamaica definiu meu destino e certamente minhas preocupações intelectuais. Eu saí da Jamaica mais de dez anos antes de sua independência. Toda minha formação foi, portanto, num cenário colonial. Minha história era a de um menino da colônia que vai para o centro da metrópole, para o lugar dos colonizadores. Essa foi a experiência de todos os escritores, pintores, artistas e intelectuais caribenhos que chegaram à Inglaterra nos anos 50/60. Uma experiência diferente do contexto dos anos 70, 80 e 90, das lutas dos negros contra o racismo, na Grã-Bretanha. Minha experiência não foi essa. Foi a de um jovem caribenho indo da colônia para a metrópole. Eu tinha lido Wordsworth. Eu sabia que havia daffodils nos campos, sabia a cor das coisas! O grande choque foi a descoberta da Inglaterra em si, de sua complexidade, que muito diferia do imaginário colonial. Já estou na Inglaterra por mais de 50 anos, casei com uma inglesa, meus filhos nasceram na Grã-Bretanha, e hoje vejo um país diferente. Hoje temos uma Inglaterra multicultural, mas minha relação com ela permanece a mesma. Conheço a Inglaterra e os ingleses como a palma de minha mão, mas jamais me consideraria um inglês. Sou formado pela relação de subordinação colonial a um Outro, à Grã-Bretanha. Quanto à Jamaica, é meu país perdido, onde já não me sinto em casa. A Jamaica é o que eu poderia ter sido, é o que poderia ter acontecido. Portanto, tenho uma relação muito romântica, muito nostálgica com a Jamaica. Meus amigos que ficaram tiveram experiências fortes como a da independência e das lutas dos anos 70, da transformação da Jamaica numa sociedade negra. Se a Jamaica já fosse uma sociedade negra quando parti, eu nunca teria ficado na Inglaterra. Teria voltado para casa. Sinto que não estou em casa em nenhum dos dois países, o que é, suponho, a causa da minha ênfase na noção de in-betweenness. É por isso que me interesso pelo fenômeno das diásporas, é por isso que me interesso por hibridizações, pelo que constitui a "casa", para a qual nunca se volta efetivamente.
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HBH/LS: Você foi assistente de Richard Hoggart, quando o hoje histórico Center for Contemporary Cultural Studies, em Birmingham, foi fundado, e, pouco depois, tornou-se seu diretor. Como você se sente tendo sido praticamente o "fundador" dos Estudos Culturais, uma disciplina hoje tão polêmica?
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HALL: Quando criamos o Centro, os Estudos Culturais não existiam e não era nosso projeto criá-los. Procurávamos apenas abrir uma área de pesquisa e estudos críticos. Essencialmente como uma área transdisciplinar. Nunca pensamos em criar uma disciplina que substituísse as outras. É ainda assim que vejo hoje os Estudos Culturais. Necessariamente transdisciplinar. Necessariamente com posições críticas em relação ao que as outras disciplinas fazem ou não fazem ou não podem mais fazer. Acho que os Estudos Culturais são uma área polêmica porque está sempre atenta para o que está se fazendo nas outras disciplinas, o que se pode retirar delas para a crítica da cultura e o que nelas deve ser deixado de lado. Não me vejo como o pai dos Estudos Culturais, eu não criei o Centro. Nós trabalhamos com figuras como Edward P. Thompson, Richard Hoggart e Raymond Williams, mais velhos do que eu, mais Estudos Culturais do que eu... Aliás, até hoje, 20 anos depois, não sinto nenhuma vontade de dizer: "Isto é o que os Estudos Culturais são". Não sou patriótico em relação aos Estudos Culturais, nem me sinto responsável por eles. Trabalho ruim se faz em todas as disciplinas. Sei dizer o que se faz nessa área de importante, o que está na ponta, o que está abrindo novos campos de reflexão. Os Estudos Culturais não começaram sozinhos. Surgiram relacionados a outros movimentos da época como as políticas de cultura, o feminismo, os estudos multiculturais, sobretudo aos estudos pós-coloniais, enfim, a uma enorme gama de novos trabalhos críticos nas ciências humanas. Vejo os Estudos Culturais como um nervo forte dessa matriz.
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HBH/LS: Você começa sua atividade crítica na literatura, na briga com o cânone literário, depois abre para estudos mais gerais sobre cultura e agora vemos um claro interesse seu focado na área das artes visuais. Como foi esse deslocamento de interesses?
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HALL: Tornei-me um estudante de Letras porque queria ser escritor. Em Oxford, onde me formei, eu odiava o clima de diletantismo literário que reinava por lá e antes de mais nada comecei tornando-me um crítico literário ferocíssimo da linha canônica de F. R. Leavis. Foi aí que comecei a trabalhar a relação entre o texto literário e o contexto histórico e social. Ao mesmo tempo, eu já era um modernista. O que me estimulava como escritor era ler T.S. Eliot e Ezra Pound, ouvir Stravinsky, ver Paul Klee, Picasso. O que me interessava era o modernismo. E em Oxford eu tinha que estudar a língua anglo-saxã da Idade Média, e na literatura, com muita sorte, chegava até o século XIX. Foi aí que, lendo F. R. Leavis, o New Criticism americano e envolvendo-me com Raymond Williams e com a crítica social, comecei a pensar: "Esse texto se relaciona com o quê?". Comecei a perceber que estudar literatura requeria sobretudo o entendimento de um contexto histórico e cultural mais amplo. Como entender Dickens? A Inglaterra como nação imperial, como país industrial, afinal o que estava no âmago da grande literatura que estudava? Ainda antes de me graduar, já me colocava essas questões. Comecei também a me envolver com jovens autores caribenhos que chegavam a Londres como, por exemplo, George Lamming, V.S. Naipaul. Naquela época eu conheci muitos deles, trabalhei com eles escrevendo um programa de rádio para a BBC, o "Caribbean Voices", sobre a literatura no Caribe. Quando entrei para a pós-graduação, pensei: o que preciso fazer é entender a diferença entre a cultura caribenha, de onde eu vim, e essa outra cultura que produz textos magníficos mas que são estudados de forma isolada, dentro de um cânone. Isso me trouxe de volta para o Caribe. Os Estudos Culturais começaram para mim, portanto, com o interesse nas culturas diaspóricas do Caribe. Foi aí que deslizei da literatura para a cultura. Quando realmente me engajei no trabalho com os Estudos Culturais, comecei a pensar sobre a mídia e a escrever sobre imagem e ideologia. Foi o interesse pela imagem que me levou ao meu atual interesse pelas artes visuais. E mais recentemente ando trabalhando a primazia do visual no discurso do racismo, porque a estrutura profunda do racismo não é uma questão visual, mas a aparência imediata é.
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HBH/LS: Temos agora no Rio de Janeiro um grande debate sobre a validade ou não da instalação de uma franquia dos museus Guggenheim na cidade. Como você vê essa expansão "imperialista" dos museus mundo afora?
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HALL: Curadores em Moscou, Havana e outros lugares vêm questionando a relação entre os países em desenvolvimento e esse circuito milionário onde o trabalho artístico adquire um valor comercial enorme no mercado de e se torna produtor de reputações artísticas nos centros reconhecidos do mundo. É muito importante que essa questão esteja em pauta nos lugares onde os países em desenvolvimento de alguma forma estejam se inserindo nesse circuito globalizado. Não quero ser elitista, não estou tentando menosprezar algo que abre a possibilidade para pessoas que não têm uma educação formal tradicional de experimentar a arte, responder à arte, entrar em contato com a arte. Essa democratização da arte e do fazer artístico é, com certeza, bastante positiva e progressista. Mas o tipo de relação que o termo "lazer" estimula é muito passiva. Os museus se tornaram parte de um circuito fashion. Não produzem desafios nem contestações fortes. Não estou contra o que está acontecendo. Que haja museus! No entanto, se apenas espetacularizam o passado, estão traindo sua missão contemporânea.
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HBH/LS: Seu novo livro publicado no Brasil, Da diáspora: identidades e mediações culturais, se esgotou em quatro meses, um verdadeiro recorde para uma publicação acadêmica. Antes você também já tinha um best-seller aqui, o Identidades culturais na pós-modernidade. Como você vê esse sucesso no Brasil?
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HALL: Antes de mais nada, esse sucesso é tão inesperado quanto incrível. Estou muito feliz com isso. Estive pensando nisso, e talvez esse sucesso se deva ao fato de que o Caribe tem uma relação com as culturais européias muito parecida com a do Brasil. E esse é o tema subjacente de quase todos os meus trabalhos. No fundo sempre escrevo sobre isso. É do que estou falando quando escrevo sobre a hibridização, sobre a creolização, sobre a diáspora. Creio que, no Brasil, as pessoas se sentem muito tocadas por esse tema.
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HBH/LS: Você nunca publica livros de sua autoria. Esta iniciativa tem sido sempre de outros que formam coleções de ensaios seus. Por quê?
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HALL: Porque eu não escrevo livros. Escrevo ensaios. Eu nunca escrevo pensando em publicar. Publico em resposta a convites quando alguém me pergunta: "você escreveu sobre tal coisa, posso publicar esse texto aqui na minha revista?". Isso acontece porque meus escritos são criados em função de situações concretas, são sempre intervenções. Estão sempre procurando redirecionar uma dada situação. São escritos estratégicos. Então, escrevo e publico geralmente em revistas ligadas aos movimentos sociais, culturais ou artísticos ligados aos temas de que trato. Só bem depois é que eles acabam sendo reeditados ou traduzidos e levados para circuitos mais amplos. Não poderia ser assim se tivesse uma carreira de escritor que publica. Por outro lado, se os Estudos Culturais são necessariamente transdisciplinares, eu não sou especialista em nenhum assunto. Quem ia querer ler um livro meu sobre um só assunto? Ainda que tenham um interesse comum, meus escritos são sobre temas muito diferentes. Não escrevi, por exemplo, uma teoria sobre Chris Ofili para seu catálogo. Escrevi sobre arte africana. Depois, a partir de minha participação no programa da Documenta de Kassel, escrevi sobre creolização. Acabei de escrever sobre Tony Blair e o New Labour para a revista "Soundings", porque quero intervir na situação da Inglaterra hoje. É assim que sinto o ato de escrever e publicar. E isto, a princípio, não dá livro...
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HBH/LS: Qual é papel que restou para o intelectual nos dias de hoje?
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HALL: Isso sim deveria ser um livro. Creio que ser intelectual hoje é dizer a verdade para o poder. É pensar as conseqüências do poder, aquilo que o poder não quer tratar, o que compõe o inconsciente do poder. Isso vale para os intelectuais críticos. Existem também os intelectuais tradicionais, como Gramsci os chamava. Os verdadeiros intelectuais ou são alinhados com o poder, tentam abrir seu caminho no mundo, ou têm uma relação crítica com o poder e precisam testá-lo, interrogá-lo e, sobretudo, expor as conseqüências propositais ou inconscientes do poder.
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* Liv Sovik é professora da Escola de Comunicação da UFRJ e organizou o livro Da diáspora: identidades e mediações culturais (Editora UFMG, 2003).

Nas quebradas da voz

O lugar e a mãe na crônica poética do rap[1]

Numa Ciro


01 – Na escola pública não há um currículo escolar disponível para os alunos das periferias, como se pode encontrar nas escolas particulares. Nestas, os alunos com cinco anos de idade falam inglês e outras línguas, enquanto na favela o “caderno” do “pretinho” “é um fuzil, um fuzil”, como em “Negro Drama” (2002). Sobre esse problema, Mano Brown dá mais esta cartada, na entrevista à revista Rap Brasil.

A escola tem que renascer, essa que existe precisa morrer para nascer outra, outros padrões de comportamento, de ensino. Eu acho que hoje o professor deveria ser um educador, educar para viver, para economizar água, para não jogar comida fora, não dar R$ 800,00 num tênis da Nike, ensinar a viver, economizar dinheiro, lidar com dinheiro, respeitar a mãe, o pai. As pessoas já cansaram desse ensino básico, do dia do índio, Tiradentes, porque você não vê isso no dia-a-dia, não utiliza isso.


02 – Com base nessa crueldade, argumento que o rap encostou a literatura contra a parede que ela própria edificou: a diferença entre voz e letra, entre oral e escrito, foi tomada, pela literatura classicizante (Hollanda, 1976: 7-8), no sentido de desigualdade entre os valores. Sabemos que a oralidade foi banida da escrita até que, atualmente, um texto escrito é avaliado como perfeito quanto mais distante ele estiver da forma oral. Paul Zunthor (1993) orienta esse argumento ao dizer:

Quando nossa “literatura” se instaura, enfim, na época que chamamos de clássica, as diversas partes do discurso social serão dissociadas por causa de competências a partir daí descontínuas, política, moral, religiosa, ameaçando deixar uma lacuna que para a sociedade é vital preencher: a de um discurso homogêneo, apto a assumir o destino coletivo. A literatura vai desempenhar esse papel. Ela se tornará instituição. Vai exercer uma hegemonia, de fato, sobre as representações socioculturais que a Europa e depois a América formam de si próprias (Zunthor, 1993:284).

O que interessa verificar nesta tese são as conseqüências desse desempenho da literatura, como disse Zunthor, sofridas pelas populações que não tiveram acesso a esta instituição. Penso encontrar nas formações discursivas do rap as marcas dessa tradição e proponho que o rap abriu um canal para essas vozes que ficaram silenciadas pela obediência a esse monopólio de poder. A citação a seguir consta na orelha da capa da Antologia: Prosa e poesia periférica (2008).

Estudar pra quê? Se eu falo errado e escrevo pior ainda? Só tem um jeito de falar e um jeito de escrever! Isso é muito arriscado! Retraídos, com medo de riscar palavras, de arriscar ler nossas próprias palavras. Sem um espelho próprio que mostrasse como realmente somos, o espelho do outro nos refletiu imagens prontas. Histórias prontas. Iludidos, trocamos espelhos por histórias, e quando tentamos arriscar, já estava tudo definido. Devidamente escrito, não havia mais o que fazer. O certo e o errado, tudo no seu devido lugar. Arriscar era um erro, sem concordância, e sem acento.

03 – O movimento e /ou cultura hip hop tenta elaborar, através da linguagem artística, um discurso próprio, desligado do poder central e hegemônico das classes privilegiadas que possuem raízes em vários setores da organização social. O rap seria uma espécie de Teseu que adentra o labirinto da linguagem e luta de frente com a norma culta da língua, com o cânone literário, a crítica musical, o mercado fonográfico, etc.
Não podemos esquecer que o samba, nos primórdios de sua história também foi objeto de desconfiança e diferentes formas de menosprezo e perseguições. Em relação ao choro, que era aceito e tido como nobre, por exemplo, Cláudia Matos (1982) observou que: “Samba era coisa de preto e de pobre, e sem dúvida por isso mesmo estigmatizada”. A esse respeito, a autora cita uma fala de Pixinguinha que nos oferece o seguinte depoimento:

O choro tinha mais prestígio naquele tempo. O samba, você sabe, era mais cantado nos terreiros, pelas pessoas muito humildes. Se havia festa, o choro era tocado na sala de visitas e o samba, só no quintal, para os empregados (Matos,1982: 27).

04 – Para fazer o contracanto com o rap, ouviremos as vozes de alguns poetas e escritores das periferias, criadores de um movimento literário denominado Literatura Marginal... Sérgio Vaz, da Zona Sul de São Paulo, poeta e produtor cultural, criador do “Sarau da Cooperifa” e autor do projeto “Poesia contra violência”, diz que a literatura é uma dama triste que:

dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Vitor Hugo, mas não com os Miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas A Rosa do Povo não floresce no jardim plantado por Drummond (Encarte do CD do Sarau da Cooperifa).

05 – A psicanalista Maria Rita Kehl (1999) que esteve na banca dos entrevistadores de Mano Brown no programa Roda Viva (2007), escreveu um artigo que serve de orientação para pensarmos nessa relação do Racionais com as quebradas e com os manos:

O tratamento de "mano" não é gratuito. Indica uma intenção de igualdade, um sentimento de frátria, um campo de identificações horizontais, em contraposição ao modo de identificação/dominação vertical, da massa em relação ao líder ou ao ídolo. As letras são apelos dramáticos ao semelhante, ao irmão: junte-se a nós, aumente nossa força. Fique esperto, fique consciente — não faça o que eles esperam de você, não seja o "negro limitado" (título de uma das músicas de Brown) que o sistema quer, não justifique o preconceito dos "racistas otários" (título de outra música). A força dos grupos de rap não vem de sua capacidade de excluir, de colocar-se acima da massa e produzir fascínio, inveja. Vem de seu poder de inclusão, da insistência na igualdade entre artistas e público, todos negros, todos de origem pobre, todos vítimas da mesma discriminação e da mesma escassez de oportunidades.

06 – O que Bourdieu coloca atinge o nó da questão: “O principal mecanismo de dominação opera através da manipulação inconsciente do corpo” (1996:269). Antes ele tinha dito algo que explica como é que esse mecanismo de dominação opera. “Quanto mais se desce na escala social”, mais as pessoas “acreditam em talento se em dons naturais, mais acreditam que os que alcançam êxito são dotados de capacidades intelectuais inatas”.

07 – A escuta e a leitura do material poético e literário das narrativas produzidas nas periferias me fez enxergar algumas implicações dessa “violência simbólica”. A estranheza que a forma, o estilo e o conteúdo das letras dos rap, dos textos poéticos e literários produzidos pelas periferias despertam nos falantes da norma culta. A propósito, quero adiantar o que nos diz Marcos Bagno[2]:

O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é o bolo, o molde de um vestido não é o vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática normativa não é a língua.

08 – Observei que esse giro do olhar foi em resposta a essa voz que chamo de voz política do rap. Política porque trouxe consigo novas formas de poder. Poder falar, poder escrever. O que vemos é que esses artistas estão reivindicando o seu direito de expressão. As dificuldades são muitas e uma delas é apontada por Marcos Bagno[3]:

Como a educação ainda é privilégio de muito pouca gente em nosso país, uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem do domínio de uma norma culta. Assim, da mesma forma como existem milhões de brasileiros sem terra, sem escola, sem teto, sem trabalho, sem saúde, também existem milhões de brasileiros sem língua. Afinal, se formos acreditar no mito da língua única, existem milhões de pessoas neste país que não têm acesso a essa língua, que é a norma literária, culta, empregada pelos escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder – são os sem-língua[4].

09 – Esse processo histórico do qual resulta a distribuição desigual das terras e do conjunto dos bens materiais e simbólicos no Brasil, corresponde aos processos de construção da nação brasileira desde a expansão marítima dos reinos da Espanha e de Portugal, e a conseqüente colonização, de toda a América Latina, por ambos empreendida. Ninguém desconhece como se deu, nesse processo, o genocídio de mais de 5 milhões de índios, só no Brasil.

10 – Porém o que está ocorrendo no Brasil desde a passagem dos anos 70 para os anos 80, é o crescimento do nível de violência que já pode ser interpretada como uma barbárie de grandes proporções. Já vimos muitos gráficos das estatísticas sobre essa violência, e aprendemos com os especialistas em criminalidade e em políticas públicas a ler esses resultados. Mas prefiro que olhemos para esses dados através do corpus.[5] Esta chamada dos manos e minas no início da música, ao mesmo tempo é informativa, serve de alerta. Primeiro chamo atenção para estes versos, quando o rap manda olhar: “veja você quem morre/ veja você quem mata”. Depois, a resposta:

60% dos jovens de periferia
sem antecedentes criminais
já sofreram violência policial.
A cada quatro pessoas mortas pela polícia
três são negras.
Nas universidades brasileiras
apenas 2% dos alunos são negros
A cada 4 horas
um jovem negro morre violentamente
em São Paulo
aqui quem fala é primo preto
mais um sobrevivente



[1] Tese de Doutorado defendida por Numa Ciro, em Março de 2009 na UFRJ, com orientação de Heloísa Buarque de Hollanda. Seleção de trechos: Nonato Gurgel.
[2] Bagno, 1999.
[3] Idem, p: 16.
[4] Grifo do autor.
[5]Rap “Capitulo 4 Versículo 3”.

Professor de Literatura: Profissão (em) Perigo

Trabalho apresentado ao professor Gustavo Bernardo
no curso de Teoria da Literatura VI em 2005

Poliana Gomes

“Não sou nada. Nunca serei nada, não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Fernando Pessoa


Findo o curso de bacharelado em Letras e prestes a me despedir, pelo menos temporariamente, de minha vida acadêmica, fui confrontada, durante as aulas da disciplina Teoria da Literatura VI – Literatura, Filosofia e Psicanálise, com a afirmação: “Ensinar literatura pode ser muito perigoso”.

O leitor deve estar pensando que não há nada demais nisto, afinal, é senso comum a idéia de que o ensino de literatura é um elemento fundamental na formação de indivíduos críticos, fato este que não agrada a muitos. Porém, não foi neste sentido e contexto que tal afirmação foi proferida. A palavra perigo utilizada diz respeito à forma como as sensações e sentimentos que a leitura provoca serão conduzidos pelo maestro: o professor.

Em outras palavras, a citação trouxe-me de volta uma antiga indagação sobre a formação de professores de literatura oferecida por nossa Academia. Assim, a partir desta afirmação intrigante e dois textos teóricos lidos durante a disciplina, a saber, Escrever e brincar, de Sigmund Freud e Esperando Kafka de Flusser, tecerei algumas considerações sobre a prática docente de ensino de literatura.

No entanto, para que isto seja possível, devemos ter em mente que a prática docente é um dos elementos da dinâmica escolar representada abaixo, na qual o professor representa um mediador importante entre o conhecimento, neste caso a Literatura e o aluno:


Retornaremos, posteriormente, a esta representação. Passemos, agora, ao primeiro texto. Em Escrever e Brincar¸ Freud compara a atividade do escritor criativo aos jogos lúdicos das crianças. Diz que o escritor, assim como a criança, cria um mundo de fantasias, mantendo, contudo, a separação entre realidade e ficção.

Segundo Freud, a arte destes escritores, ou seja, seus textos, proporcionam-nos o prazer de reviver esta dimensão primeira da infância, sem que tenhamos que nos envergonhar por isso.
Desta forma, se o que a literatura faz é simplesmente nos proporcionar a oportunidade de momentaneamente substituirmos a nossa fantasia pelo brincar, e se, ainda segundo Freud, dificilmente abdicamos de um prazer já experimentado, como explicar a aversão de tantos alunos pela literatura?

Acredito que o leitor tenha várias respostas hipotéticas para esta questão, mas como dito anteriormente, gostaria de me prender aqui, à hipótese da prática do ensino da literatura.
Se tomarmos por base que o professor é o responsável, na maioria das vezes senão sempre, por inserir o aluno no mundo das letras, na classe de alfabetização, e depois apresentá-lo ao que chamamos de Literatura, o professor possui um papel de peso na relação a ser estabelecida entre aluno e literatura.

Estes fatos explicam a representação utilizada anteriormente. O professor não se encontra entre o aluno e a literatura, mas sim em um patamar acima do aluno e sua relação com este é mais direta do que a existente entre aluno e literatura.
Concentremo-nos, então, no professor. A maioria das vezes, os aspirantes a professores não possuem a literatura como sua meta profissional, e a minoria das turmas de Letras que possui uma relação estreita e apaixonada com a Literatura encontra-se órfã.

Digo isto, pois, enquanto os mestres das disciplinas de Língua assumem desde o início que todos na sala virão a ser professores um dia, mesmo que isto não seja verdade, a mesma prática dificilmente é observada nos mestres de Literatura, que raramente trazem ao aluno questionamentos relacionados ao ensino de sua disciplina.
Desta observação desenrola-se a problemática: assumir que a prática do ensino de Literatura não se diferencia da prática do ensino de Língua. Pode-se dizer que nenhum curso, em nossa Academia, abrange a prática de suas ou uma de suas respectivas literaturas, pois, a única literatura que está inclusa nas aulas de Prática é a Literatura de Língua Portuguesa, no entanto, ela é oferecida em caráter facultativo. Cabe ao aluno escolher se quer praticá-la ou não (escolha esta que dificilmente se repete na vida profissional). Apesar destes fatos todos saem “habilitados” a serem futuro professores e a exercê-la.

Dito isto, prossigamos com nosso raciocínio. Em seu texto "Esperando Kafka", Flusser diz que existem duas formas de lidar com a literatura. Podemos olhá-la como uma resposta à época na qual foi produzida, ou como uma fonte de perguntas.

Sob este prisma, teríamos duas formas de lecionar a literatura. Na primeira a literatura é tratada dentro de um contexto histórico, a relação obra-autor é importante, assim como a leitura de críticas. Segundo Flusser, este caminho levaria à curiosidade.

Poderíamos, talvez chamar esta abordagem de mais tradicional, pois, é a mais comum entre os professores, além de lidar com o texto quase que em uma esfera de sacralidade.

Agora olhemos a segunda forma mencionada. Nesta abordagem, o texto é tomado como fonte de partida para vários questionamentos do leitor, o texto submerge o leitor em suas malhas. O principal aqui é a especulação. O texto é um provocador. Este seria o caminho da simpatia.

Voltemos então ao professor. Talvez, possamos dizer que, na maioria das vezes, os professores que acabam por dar aula de literatura tendem a seguir a primeira abordagem, enquanto aqueles que sempre desejaram ser professores de literatura tendem a seguir a segunda. Lógico que estamos generalizando a situação aqui.

Focalizemos agora estes últimos. A maioria destes professores são verdadeiros amantes da Literatura, frustrados por ver a forma como esta é tratada no sistema de educacional. São professores ávidos por despertarem em seus alunos o mesmo desejo que possuem pela Literatura.

E é neste ponto, caro leitor, que retomamos ao início de nossa conversa. A maioria destes professores se inspira no personagem John Keating de Robin Williams, no filme Sociedade dos Poetas Mortos. O professor John Keating é um ex-aluno da escola tradicionalista e tradicional onde vai lecionar. Frustrado pela forma com que a literatura é tratada, revoluciona suas aulas instruindo os alunos a rasgarem as primeiras páginas de seus livros e viverem a literatura.
Assim como ele, muitos dos nossos professores julga que a aversão dos alunos pela literatura é uma conseqüência da abordagem utilizada pelo professor.

E é neste momento que a prática se torna perigosa. Ao olharmos o personagem John Keating, sobre outra perspectiva, podemos vislumbrar as conseqüências de uma prática irresponsável do ensino de literatura. O professor, em sua posição de influência, estimula os alunos não a apreciarem a literatura, mas a vivenciarem a literatura, a transformarem em realidade suas fantasias. Todavia, ele não se coloca a disposição de os apoiar em seus intuitos.

O leitor pode estar pensando, então, que a melhor prática de ensino de literatura seria aquela calcada na primeira abordagem. Bem, não poderíamos dizer que na vida real assim como no filme, a existência de John Keatings é uma conseqüência desta prática tradicional? Que a omissão dos professores na academia, em formarem professores críticos quanto a sua prática, não contribui para esta atitude romântica? Não estaria a Academia, responsável pela formação destes profissionais, sendo tão leviana quanto os John Keatings?

A verdade é que assim como Flusser diz, as abordagens não ocorrem em separado. Pode-se enfatizar mais uma característica de uma ou de outra, mas “os dois campos não podem ser rigorosamente delineados”.Mas a questão em jogo, não é qual abordagem é a mais eficaz.Reformulemos a questão.

Freud diz, em Escrever e brincar, que a literatura “desperta-nos emoções das quais talvez nem nos julgássemos capazes” e “a verdadeira satisfação que usufruímos de uma obra literária procede de uma libertação de tensões em nossas mentes”.

Todo leitor de livros sabe do que Freud está falando, pois já se viu no conto “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector. Já parou de ler um livro por se identificar demais com um personagem, ou por acreditar não ter maturidade ainda suficiente para a leitura. Já riu, chorou, morreu, ressuscitou. Foi herói e vilão.

É ponto pacífico que a literatura exerce sobre nós um fascínio. Assim como é ponto pacífico que ler é algo íntimo, é a realização de nossas fantasias. Desta forma, lecionar literatura é estar exposto à intimidade do aluno.

Assim, pergunto: Como o professor deve proceder, então, para que a linha entre realidade e ficção não se quebre?

De que conhecimentos ou técnicas deve ele dispor para saber conduzir sua aula sem deixar esta se transformar em um mero pastiche de uma sessão de terapia de grupo? Como aproximar seus alunos da fantasia, sem, contudo, com isto dizê-los que podem transformar suas vidas em fantasias? Quais livros adotar? Como administrar sua leitura?

Em suma, como podem, os professores, alcançar seus objetivos e provocar em seus alunos curiosidade e/ou simpatia? Quais conhecimentos além do conteúdo literário, o professor necessita dispor para lecionar uma aula de literatura eficiente?

Talvez o leitor diga que este questionamento não é necessário já que o ensino de Literatura nas escolas está cada vez menor. Mas não seria esta desvalorização da literatura uma conseqüência da ineficácia das aulas? E, por conseguinte, a ineficácia destas aulas não seria uma conseqüência da má formação de seus profissionais?

Não acredito que os questionamentos levantados, aqui, tenham uma resposta fácil, e muito menos era meu intuito tentar respondê-los. Minha intenção era apenas especular sobre a complexidade do ensino de literatura.

Acredito que grandes mudanças tenham que ocorrer para que este quadro se reverta. Mudanças de postura e de currículo. Acredito que no mínimo, o futuro professor jamais poderia deixar a Academia sem ter sido confrontado com tais questionamentos.

Devo confessar, caro leitor, que não fosse o atraso de 6 meses entre a conclusão de meu curso de bacharelado e licenciatura, sairia da Academia talvez convencida de que minha idéia da falta de importância dada a Literatura neste espaço, não se passava de um problema interno meu, e estaria pronta a ser a mais nova Prof. John Keating, pronta a “converter” meus alunos em “amantes” da literatura.

A conclusão que consigo retirar disto tudo, por hora, e compartilhar com você, caro amigo leitor, é na verdade um adendo à citação provocadora de toda esta perturbação: ensinar literatura pode ser perigoso, mas não ensinar a ensinar literatura o é.